quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Há 501 anos, um monge desafiava a Igreja Católica...


Há exatos 501 anos, em 31 de outubro de 1517, a Igreja Católica testemunhava o início daquela que viria a ser a pior cisão de sua história: a Reforma Protestante, que teve como centro o então monge agostiniano Martinho Lutero.

Juventude e vida religiosa

Nascido em Eisleben, em 10 de novembro de 1483, Lutero sempre fora um estudante dedicado, vindo a ingressar na faculdade de Direito. Em 1505, aconteceria uma grande mudança em sua vida: após sobreviver a uma forte tempestade de raios (clamando pela ajuda de Santa Ana), decidiu abandonar os estudos e entrar para a vida monástica, na Ordem dos Agostinianos de Frankfurt.
Lutero mostrava-se profundamente dedicado à vida religiosa, a ponto de investir enorme tempo em meditações e orações diárias, autoflagelações, confissões e peregrinações, no intuito de agradar a Deus e servir ao próximo, em especial às almas. No entanto, nenhum esforço lhe trazia a paz que tanto buscava.
Seu superior, buscando manter-lhe ocupado com trabalhos que o mantivessem afastado do excesso de reflexões, ordenou-lhe que iniciasse carreira acadêmica. Foi ordenado sacerdote em 1507 e, no ano seguinte, recebeu seu bacharelado em estudos bíblicos, tornando-se professor de teologia na Universidade de Wittenberg. Em 1512 graduou-se Doutor em Teologia, e em 1515 tornou-se vigário de sua ordem, comandando 11 monastérios.


Viagem à Roma e as primeiras desilusões com a Igreja

Em 1510, durante uma viagem a Roma, deparou-se com uma prática, por parte de alguns clérigos  que o deixara profundamente decepcionado: a venda de indulgências pelo perdão dos pecados. Essas tinham como objetivo conceder perdão, parcial ou total, à pessoa que doasse certa quantidade de dinheiro - que, no fim das contas, seria destinado à construção da  Basílica de São Pedro. Antes, a veneração de relíquias santas tinha essa função de conceder perdão; agora, uma carta de indulgência (autorizada pelo Papa) seria comprada pelo fiel, para perdão seu ou de um parente. Para Lutero, isso afastava as pessoas da verdadeira confissão e arrependimento, depositando sua confiança unicamente nas indulgências. Contra tal prática, proferiu 3 sermões. 
Então, em 31 de outubro de 1517, faria aquilo que o marcaria para sempre: na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, afixaria um escrito contendo 95 teses que combatiam diretamente as indulgências - questionando, inclusive, qual deveria ser a posição do Papa diante disso. O que, a princípio, era para ser um convite a um debate teológico, logo propagou-se entre a população alemã (e, seguidamente, entre toda a Europa), sendo vista como um desafio à Igreja Católica e sua autoridade. Não demorou para que Lutero fosse visto como um herege e seus escritos como apostasia.


Dos debates à excomunhão

Mesmo sob investigação, seus debates contra as indulgências eram crescentes, chegando ao ponto de levá-lo a duvidar da autoridade do Papa (especificamente, da bula Unigenitus, do Papa Clemente VI). Diante disso, o Papa Leão X ordenou que ele se retratasse em uma conferência, diante de um representante seu, em Leipzig. Porém, tomou proporções maiores quando Lutero confrontou diretamente a autoridade do Papa (que, para ele, não tinha o direito de sucessão apostólica, algo conferido apenas a São Pedro). Tudo isso, somado às publicações de tratados que sugeriam uma reforma eclesiástica (sendo os mais famosos À Nobreza Cristã da Nação Alemã, Prelúdio no Cativeiro Babilônico da Igreja e A Liberdade de um Cristão), levaram o Papa a editar uma bula que o advertia que, caso não repudiasse sua doutrina no prazo de setenta dias, seria excomungado. Cerca de 120 dias após expirar sua validade, a bula fora queimada em público por Lutero. Tal ato custou-lhe a excomunhão, decretada em janeiro de 1521.
No mesmo mês, o Imperador Carlos V convocou-o para a Dieta de Worms, onde deveria confirmar ou renunciar sua doutrina e os escritos que editara até então. Ao ser perguntado se os escritos eram seus e se acreditava em seu teor, Lutero pediu um dia para refletir e, então, dar sua resposta. No dia seguinte, ao ser novamente questionado, proferiu aquele que seria seu mais famoso discurso, e que marcaria para sempre sua separação da Igreja:

“A menos que possa ser refutado e convencido pelo testemunho da Escritura e por claros argumentos (visto que não creio no papa, nem nos concílios; é evidente que todos eles frequentemente erram e se contradizem); estou conquistado pela Santa Escritura citada por mim, minha consciência está cativa à Palavra de Deus: não posso e não me retratarei, pois é inseguro e perigoso fazer algo contra a consciência. Esta é a minha posição. Não posso agir de outra maneira. Que Deus me ajude. Amém!”.



Antes que fosse tomada qualquer decisão acerca de seu destino, Lutero abandonou Worms e desapareceu durante seu regresso a Wittenberg. O Imperador, então, declarou-o fugitivo e herege.

O Exílio e o casamento

Nos meses que se seguiram à sua fuga, Lutero, com a ajuda de Frederico III, príncipe-eleitor da Saxônia, exilou-se no Castelo de Wartbung, em Eisenach, permanecendo ali durante um ano. Nesse meio tempo, dedicou-se à sua tradução alemã da Bíblia e outros escritos que, à medida em que eram divulgados, causavam a renúncia dos votos de castidade de alguns sacerdotes e ataque aos votos monásticos. Rebeliões também faziam-se frequentes - apesar do posicionamento contrário de Lutero aos ataques contra o catolicismo. 
Em abril de 1523, Lutero ajudou na fuga de 12 freiras do cativeiro no Convento de Nimbschen. Entre elas, encontrava-se Katharina von Bora, que viria a ser sua esposa 2 anos depois. Tiveram 6 filhos, e seu casamento incentivou a união de padres e freiras que aderiram à Reforma. 


Antissemitismo, revoltas e propagação da Reforma

Algo que sempre fora motivo de polêmica em sua doutrina, era a crítica aberta que fazia ao povo judeu - que, segundo ele, já não era mais digno da herança de Deus nem de ser considerado o povo eleito. A campanha contra os judeus (sintetizada na obra Sobre os Judeus e Suas Mentiras) incluía incendiar sinagogas, destruir livros judaicos e expulsá-los de seu meio. Muitos historiadores são unânimes ao afirmarem que seu desprezo pelos judeus contribuiu para o surgimento do antissemitismo na Alemanha e, posteriormente, lançar as bases do Nazismo.
Entre 1524 e 1525, ocorreu a Guerra dos Camponeses, como forma de resposta aos discursos de Lutero contra a hierarquia da Igreja, e acreditando que, da mesma forma, ocorreria um ataque armado por parte dos reformadores contra a ordem social. As reivindicações dos camponeses eram, em sua grande maioria, fundamentadas nas Sagradas Escrituras (que, nesse ponto, já era acessível às classes mais simples). Os escritos de Lutero contra tais rebeliões e que visavam um acordo de paz não obtiveram sucesso.
Ao mesmo tempo, a Reforma alcançava vários países da Europa. Dentre vários reformadores, o que mais se destacou fora João Calvino, da França. Ao contrário de Lutero, que acreditava numa reforma da Igreja e num retorno da mesma às raízes, Calvino considerava a Igreja tão degenerada que o ideal seria criar uma nova Igreja. Com o tempo, mais e mais igrejas derivadas dessas duas vertentes - luteranismo e calvinismo - se propagariam de forma incontrolável, causando efeitos irreversíveis no Cristianismo. Iniciava-se a era do Protestantismo, em que o objetivo principal seria um retorno às Escrituras.



Apesar de tantas denominações e doutrinas divergentes, a base seriam as 5 Solas, ou seja, 5 fundamentos básicos para os cristãos protestantes:

 1. Soli Deo Gloria (Glória Somente a Deus) – Este é um dos pilares da Reforma Protestante, afirmando que o homem foi criado para a glória de Deus. Fomos criados para dar glória a Deus em tudo que fazemos e destinados à glória de Deus. O plano de eterno de salvação dos homens já contemplava a glória de Deus (Ef 1.4-6). Soli Deo Gloria é o princípio pelo qual toda glória é dada a Deus no processo de salvação, mas também que, durante nossa vida neste mundo, nenhum ser humano é digno de glória. A vida do cristão é vivida diante de Deus e sob sua autoridade. Isso é para a glória de Deus. “A ele seja a glória eternamente! Amém”. Romanos 11.36;
2. Sola Fide (Somente a Fé) – A salvação é um presente que Deus nos dá e isso se efetiva somente por meio da fé, jamais pelas obras humanas. Lutero compreendeu que não eram as penitências, sacrifícios ou compra de indulgências que podiam livrar o homem da condenação eterna, mas a graça de Deus, através da fé (Ef 2.8). Após meditar no texto de Rm 1.17, que diz: “O justo viverá da fé”, Martinho Lutero percebeu que a justiça de Deus nessa passagem, é a justiça que o homem piedoso recebe de Deus, pela fé, e não uma conquista humana; 
3. Sola Gratia (Somente a Graça) - O Salmista Davi numa oração de profunda busca por Deus, declara: Porque a tua graça é melhor que a vida; os meus lábios te louvam (Sl 63.3). Sim, a graça de Deus é a única ponte que cruza o abismo entre a depravação total do ser humano e a casa do Pai, onde Jesus foi preparar-nos lugar. Ninguém pode ser salvo por mérito próprio, por obras, penitências, sacrifícios ou compra de indulgências. Somente pela fé o ser humano pode ser salvo. E até mesmo a fé, que habilita o ser humano a receber o dom da graça, é dado por Deus (Ef 2.8). Nenhuma obra, por mais justa e santa que possa parecer, poderá dar ao homem livre acesso a salvação e ao reino dos céus. Isso somente ocorrerá pela graça de Deus. "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se gloria". Ef 2.8 e 9;
4. Solus Christus (Somente Cristo) - Sobre este tema, a Declaração de Cambridge diz: Reafirmamos que nossa salvação é realizada unicamente pela obra mediatória do Cristo histórico. Sua vida sem pecado e sua expiação por si só são suficientes para nossa justificação e reconciliação com o Pai. O homem nada poderá fazer para sua salvação, pois Jesus Cristo realizou a obra da redenção ao ser sacrificado na cruz do calvário, vertendo o seu sangue como sacrifício por nossos pecados. "E não há salvação em nenhum outro: porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dentre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" At 4.12;
5. Sola Scriptura (Somente as Escrituras) - Nós, os cristãos reformados cremos que as Escrituras Sagradas são a única regra de fé e de prática. É isso que lemos em 2 Tm 3.16-17: "Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra". Entendemos que as tradições, as bulas, as decisões dos concílios e os escritos papais não possuem autoridade e não podem servir de instrumento de fé e prática para o rebanho de Cristo. Somente as Escrituras Sagradas estão habilitadas para isso. Elas foram escritas por homens inspirados por Deus, são instrumentos de revelação da vontade de Deus para nossa vida. Ao lêla somos iluminados pelo Espírito Santo para entendê-la. “Não são as experiências que julgam a bíblia, mas a Bíblia que julga as experiências. A igreja não está acima da Palavra, mas é governada por ela” (Rev. Hernandes Dias Lopes). Martinho Lutero escreve: "Então, achei-me recém-nascido e no paraíso, toda as Escrituras tinham para mim outro aspecto, perscrutava-as para ver tudo quanto ensinam sobre a justiça de Deus".

Morte de Lutero e o legado da Reforma
Em fevereiro de 1546, morria Martinho Lutero, em decorrência de um derrame cerebral, em sua cidade natal. Seu corpo fora sepultado na Igreja do Castelo de Wittenberg, onde afixara suas 95 teses e proferira a maioria de seus famosos sermões.
Nas últimas décadas, tem ocorrido movimentos conjuntos entre católicos e protestantes para uma certa harmonização, buscando suprimir as diferenças e embates de séculos. O aumento do diálogo ecumênico tem reforçado ainda mais esse objetivo - chegando à "Declaração Conjunta Sobre a Doutrina da Justificação"
Algo inegável é o fato de que a Reforma, que começara com questionamentos acerca de práticas específicas da Igreja, não dava sinais das proporções que tomaria ao longo dos séculos. E que, apesar de uma futura reaproximação das 2 maiores profissões da fé do Cristianismo, suas marcas foram tão profundas que seus efeitos jamais serão remediados.


Fontes de pesquisa:


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